Sebastianismo-Salvação de ...

Sebastianismo

O SEBASTIANISMO E A "SALVAÇÃO" DE PORTUGAL

O século XVI foi o período mais adverso enfrentado pelo reinado português. Com a expectativa de manter seu crescimento em conquistas territoriais, o império luso se deparou com infortúnios e decepções já com início dos 500. No ano de 1580, Portugal perdera sua independência para os castelhanos, formando assim a União Ibérica, condição que só teria fim em 1640.

 



Na verdade, o cenário político português ficou seriamente agravado com o insucesso do rei d. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir no Marrocos, em 1578. É importante ressaltar que o reinado de d. João III (antecessor a d. Sebastião) já não apresentava grandes novidades no sentido de alargar o império luso. Segundo alguns escritores, d. João III apresentava uma postura "irrefletida" durante seu reinado, revelando-se como um período de colonização e ocupação de terras já conquistadas. Em 1577 morre d. João III e, aos 3 anos de idade d. Sebastião é aclamado rei de Portugal. No entanto, a direção do trono seria efetivada 11 anos depois, visto que neste ínterim, Portugal passou a ser direcionado por um período regencial, representado da seguinte forma: de um lado, o cardeal d. Henrique (tio avô do menino-rei) representando os interesses portugueses, de outro; Catarina de Habsburgo, (avó de d. Sebastião e tia de Felipe II de Espanha), esta ultima tida como representante dos interesses espanhóis em Portugal.

A união dos reinos ibéricos era um sonho muito antigo dos espanhóis. No entanto, em 1385 os portugueses demonstraram superioridade ao vencer os castelhanos na batalha de Aljubarrota sob o comando do rei d. João I que nesta ocasião, daria início a importante dinastia de Avis. O último filho vivo do rei português morrera pouco antes do nascimento de d. Sebastião. Com isto, a Espanha deduzira que finalmente teria sua oportunidade na unificação dos reinos, devido à falta de herdeiros portugueses. Porém, em 1564 nasce d. Sebastião, para alívio da coroa portuguesa, que agradeceu muito a Deus pelo "envio" do novo monarca. Eis o cenário da condição do novo rei luso: mal nascera e já carregaria consigo uma grande responsabilidade de retomar a antiga posição de glórias e conquistas de seu país, e ainda por fim definitivamente às intenções dos espanhóis em direcionar Portugal.

Uma das conseqüências da perda da independência de Portugal foi uma crença messiânica baseada na esperança, por parte dos lusos, da volta de d. Sebastião, esta crença ficou conhecida como "sebastianismo".

Este artigo pretende demonstrar, de maneira sucinta, os caminhos e descaminhos que levaram os portugueses a esta fervorosa crença ao sebastianismo. A historiografia portuguesa nos revela que para entendermos melhor tal fenômeno, se faz necessário à compreensão do envolvimento de d. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir, ocorrida em 04 de agosto de 1578. Experientes historiadores portugueses afirmam que o curto reinado de d. Sebastião foi uma verdadeira catástrofe, definindo o monarca como despreparado, insensato e louco. Muitos que estavam do lado do "Desejado", procuraram alerta-lo no sentido de não partir para tal disputa no Marrocos, principalmente pelo conhecimento da superioridade dos soldados inimigos.


A Batalha de Alcácer Quibir

D. Sebastião conheceu o fim de seu reinado quanto tomou a iniciativa de partir para a batalha marroquina em junho de 1578. O reino português venceu os mouros no século XII, alimentando assim, seu maior desejo em fundar um império luso (sobretudo, religioso) ao Norte da África. Essa batalha, denominada "milagre de Ourique", fora considerada verdadeiro milagre divino, visto que na ocasião, as tropas inimigas eram significativamente superiores aos soldados lusos. Muitos afirmam que o desfecho favorável para os portugueses deu-se graças à presença de Cristo, cuja aparição ocorrera para o futuro monarca (Afonso Henriques) antes mesmo do confronto. Com esta mentalidade d. Sebastião passou a representar uma expectativa certa de que Portugal repetiria o prestígio de vitórias e expansão retomadas, conforme relato a seguir:

"A inesperada vitória teria sido explicada pelo aparecimento de Cristo, antes da batalha, ao futuro rei de Portugal, sinalizando a intervenção sagrada no destino de gloria reservado aos portugueses."

" ...fincar estaca portuguesa no coração da África infiel era também fazer a "guerra justa" e retomar o território cristão, injustamente dominado segundo os portugueses, pelos filhos de Maomé, seguidores da religião islâmica. Por esta perspectiva, pode-se levantar a questão de que d. Sebastião tenha sido mais que um herdeiro legitimo e esperado para o trono português. Ao menino-rei foi legado também um pesado e grandioso projeto concebido antes mesmo de seu nascimento e do qual dificilmente poderia escapar, sendo, como era, um legitimo integrante da dinastia de Avis." Pág. 18

 


Entretanto, precisamos entender o envolvimento do menino-rei em Alcácer Quibir. A historiografia estrangeira procurou empenhar-se sobre a derrota dos portugueses e de d. Sebastião diante do confronto, depreciando a imagem do Desejado. Alguns chegaram a mencionar que o próprio Felipe II esteve por trás principalmente das primeiras destas histórias, com intuito de desgastar o reino e a imagem de d. Sebastião, podendo com isto, confirmar a necessidade de uma nova direção ao trono português, que segundo o espanhol, encontrava-se completamente fragilizado.

Durantes o ano de 1570 d. Sebastião esforçou-se em desvencilhar da influencia dos dois grupos que outrora o educou (durante os 11 anos de período regencial). A retomada do projeto da África o ajudou para a definição de sua autonomia no reinado luso. As disputas constantes entre portugueses e espanhóis dividiram o Marrocos em 1576. Nesta mesma época, d. Sebastião estabeleceu uma "perigosa" aliança com Moulay Mohammed, que havia sido expulso do poder no Marrocos pelo seu tio Al-Malik. Moulay procurou Felipe II com a intenção de retomar o poder, no entanto, Felipe recusou uma intervenção imediata na questão. Moulay foi então à procura do jovem rei, que aceitou prontamente seu pedido, estando disposto a enfrentar os marroquinos em Alcácer Quibir. Diante de grande responsabilidade, o inexperiente d. Sebastião procurou conselhos ao seu tio, Felipe II de Espanha (o rei espanhol comprometeu-se em ajudar o menino-rei, inclusive com a provisão de 05 mil homens para ajudar no confronto). No entanto, Felipe já havia tomado parte apoiando, de maneira secretra, Al-Malik.

A traição de Felipe II nos leva a possível conclusão de sua participação direta na derrota do Desejado frente à batalha marroquina em 1578. Nos preparativos para o combate efetivo, d. Sebastião não deu ouvidos ao seu tio -cardeal Henrique. Desta vez não houve milagre divino, como em Ourique para salvar os portugueses da derroca concebida um mês depois.


As Conseqüências da Morte de D. Sebastião

Muitos foram os relatos dirigidas com relação à morte de d. Sebastião. Alguns diziam que o Desejado morrera ao lado de outros combatentes, outros mencionavam que o rei teria desaparecido em meio à batalha de Alcácer Quibir, outros ainda relataram que o monarca fugiu em combate para não ser executado. O que podemos afirmar é que com a ausência do Desejado, Portugal mergulhara num colapso político, visto que o menino-rei não teve oportunidade para se casar, consequentemente, não deixou nenhum herdeiro para o trono luso. Diante desta situação, o reinado português finalmente estaria nas mãos da Espanha, sob a anexação ao reino de Castela e ao domínio dos Felipes. Portugal sofrera com o trágico fim do rei, revelando amargura para o futuro e melancolia ao relembrar o passado. O sebastianismo ganhou força e difusas formas neste ambiente de desilusão e ao mesmo tempo, esperança no possível retorno do monarca que desaparecera misteriosamente na batalha de Alcácer Quibir.


A Reação dos Súditos do Rei

A historiografia relata que a perda da vida de muitos soldados que acompanhavam o monarca na batalha marroquina representou um período de luto nas famílias do reino luso. Relatos mencionam que praticamente todos perderam pelo menos um parente durante a batalha. Com isto, cresceu demasiadamente a "ajuda" por meio de práticas mágicas (considerada ilícita) na busca por informações dos desaparecidos. A crença no sebastianismo encontrava-se, desta forma, fortalecida. Os portugueses a utilizaram como "motivação" e resistência para enfrentar às dificuldades impostas durante o domínio espanhol, conforme relato a seguir:

"Messianismo de fim de século, predispôs a sociedade portuguesa para a espera redentora de um salvador que trouxesse conforto às famílias e dignidade ao reino."

"... muitas foram às formas assumidas pela crença sebástica em Portugal, para que o que concorreram, imensamente, as profundas raízes judaicas presentes na história da península Ibérica, solo fecundo para uma fermentação messiânica que seria alargada e redimensionada pelo sebastianismo." Pág. 25


Com a proibição do judaísmo em 1497, os portugueses converteram, compulsoriamente, muitos judeus que receberam o nome de cristãos - novos. Embora submissos às doutrinas católicas, a maioria destes cristãos mantiveram as práticas, de forma secreta, do judaísmo. Este comportamento levou a coroa portuguesa a estabelecer em 1536, o Tribunal do Santo Ofício - incumbido de apurar os crimes proferidos contra a fé católica, tendo como principal alvo, os cristãos - novos. Diante da fragilidade do reinado português especialmente ao final do século XVI, insurgiu a mistura complexa de duas vertentes que atrelavam o messianismo com embasamento judaico e, uma expectativa milenarista de paz e prosperidade - ambas poderiam ser lideradas tanto a um messias como também ao rei de Portugal.

Um dos primeiros condenados pela inquisição portuguesa foi o sapateiro Gonçalo Anes Bandarra, ele elaborou algumas trovas que, no início do século XVII tornou-se Profecias do sebastianismo. Nela, Gonçalo registra a expectativa da volta do rei português que estaria Encoberto, na espera do momento certo para constituir um novo tempo de união, paz e prosperidade. Esta dimensão de Bandarra culminou com a ideologia do monge Joaquim de Fiore que elaborou a doutrina das três idades (Pai, Filho e Espírito Santo). A verdade é que, aos poucos, o sebastianismo foi ganhando espaço em diferentes regiões do reinado luso, marcando sua influência inclusive no Brasil. Mas esta é uma outra história.


Considerações Finais

Enquanto grande parte da Europa buscava intenso conhecimento com a riquíssima época do renascimento, Portugal aprofundava suas atenções e intenções para uma dimensão folclórica, alimentando a crença e expansão do sebastianismo, esperando assim, o retorno do rei salvador que comandaria o almejado "Quinto Império". Este fenômeno ultrapassou os limites políticos de Portugal, ganhando espaço nos braços da religiosidade tão presente em terras lusas.

Foi sem dúvida um século que teve, para os portugueses, seu fim abreviado pela fatídica batalha de Alcácer Quibir. D. Sebastião - o Desejado - liderou um curto e polêmico reinado, mas que não deixou de manifestar esperança na comunidade lusa (devido à expectativa de retomada da independência frente ao domínio espanhol). Por outro lado, a imagem do menino-rei foi muito depreciada pela historiografia (inclusive com depoimentos de cardeais), caracterizando sua presença no reino português como a de uma figura louca e completamente despreparada.



Descrição das Figuras:

Figura 1 - Retrato do jovem rei D. Sebastião
Figura 2 - Ilustração da batalha de Alcácer Quibir (destacando a presença do "menino-rei")


Referência Bibliográfica:

HERMANN, Jacqueline - "1580-1600: o sonho da salvação" {Coleção: Virando Séculos} Coordenação: Laura de Mello e Souza, Lilia Moritz Schwarcz - Ed. Cia das Letras, 2000 - SP.

Escrito por:
CRISTIANO CATARIN
27-maio-2005
As raízes do Sebastianismo


   

Introdução

 

D. Sebastião , o jovem rei que perde sua vida em batalha  , à frente do seu exército a parte física desaparece nas areias da África ; mas se alguns homens buscam a imortalidade este sem dúvida conseguiu , ainda que não fosse sua intenção , ele sobrevive no imaginário português e não só lá . Com certeza o mito por vezes se torna tragicamente real , seja na morte do próprio rei seja na imitação ou no suposto renascimento da figura.

É a tragédia , o sofrimento e a esperança que alimentam o sebastianismo durante séculos , na angustia de um povo e a crença no porvir .

Figura controversa que inspira admiração e ódio ao mesmo tempo , que se apresenta diferentemente para cada pessoa , D. Sebastião vai de messias a cretino , de salvador a demente , inspira paixões e atiça polêmicas como a de Antonio Sérgio e Carlos Malheiro Dias (MEGIANI, p.5).

 

Encontra D. Sebastião na conjuntura espaço e condições para se tornar o Desejado , são os cristãos novos portugueses com sua tradição messiânica , é o seu nascimento que afasta as pretensões espanholas de unificação mais uma vez , é a crise que se abala contra o império português , são as trovas de Bandarra , é a tradição medieval do encoberto , é o misticismo e a religiosidade de Portugal , o milenarismo cristão , enfim um terreno prolífero para o mito , sê se pode dizer que existem “condições ideais” para o nascimento de um mito aí está um : Portugal dos séculos XVI e  XVII.

Ao estudar o mito entramos em um campo difícil aonde a longa e a curta duração dialogam de perto , ao mesmo tempo que o estudo e a pesquisa se obriga do fatual , do linear ela deve compreender a mentalidade e a estrutura que está dando suporte , com certeza não é fácil. Como diz Vainfas no prefácio de No reino do desejado “O mito é rebelde” (HERMANN, p. 11).

Busquei para este trabalho primeiramente os imprescindíveis livros de Jacqueline Hermann , Joaquim Veríssimo Serrão e Jean Delumeau além da dissertação de mestrado de Ana Paula Torres Megiani que tratam do sebastianismo diretamente , na segunda etapa busquei a compreensão do mito como fenômeno da sociedade e elemento inerente da alma humana , e para tal tarefa nada mais adequado do que os estudos de Mircea Elíade e Joseph Campbell , por fim procurei complementar a pesquisa com algumas obras que não tratam diretamente do assunto como a de Hilário Franco Jr. e a Morte do Rei Artur do século XIII. Como ausência sentida fica outro trabalho de Delumeau , “História do medo no ocidente” , no qual eu pretendia buscar elementos que me ajudassem a compreender o surto apocalíptico do século XVI , mas não foi possível viabilizá-lo a tempo.

Outra informação que acredito ser crucial é a dos limites e objetivos da pesquisa : este trabalho não teve por objetivo estudar o sebastianismo pós - D. Sebastião , mas entender e definir quais elementos formaram o mito e em que condições o jovem rei assumiu o protagonismo do mesmo , assim vários componentes do sebastianismo como a restauração , o aparecimento de candidatos à D. Sebastião e as seitas e movimentos messiânicos ficaram de fora da ótica da pesquisa.

Finalmente dois fatores se impõem ; o tempo para a pesquisa e a limitação do espaço para o trabalho que impedem de ser um pouco mais claro e estruturado , mas paciência.
 
 

Parte 1
Como se faz um mito

Há uma lógica no mito e como tal o sebastianismo responde a esta , com certeza este não é um fato novo nem tampouco original , porém é uma constatação absolutamente necessária para o desenvolvimento desta parte do trabalho. O mito sebástico não nasce com D. Sebastião , ou pelo menos não com esta configuração .

Para Joseph Campbell  “São temas ( os mitos ) que deram sustentação à vida humana , construíram civilizações e enformaram religiões , profundos mistérios profundos limiares de travessia”  (CAMPBELL, p. 4), ou seja são manifestações da alma humana e por isso identificáveis em quase todas as culturas , são “sonhos arquétipicos” da humanidade que afloram independentemente do isolamento dos grupos (CAMPBELL, p. 16) . Desta forma é compreensível como várias culturas tenham desenvolvido o mito do encoberto isoladamente.

Alguns fatores formadores destes mitos são identificáveis , talvez o mais importante deles seja o sofrimento . É no sofrimento que a criatura humana busca alternativas , “é que no fundo do abismo , desponta a voz da salvação . O momento crucial é aquele em que a verdadeira mensagem de transformação está prestes a surgir . No momento mais sombrio surge a luz.” (CAMPBELL, p. 39) , no mesmo caminho Elíade identifica este como o mito universal : “A idade do ouro” , o tempo que substituirá um período de grande sofrimento , é a luz que vence as trevas (ELÍADE, p. 63) .

Aqui é necessário um parêntese : há uma diferença entre as sociedades que entendem a história de forma linear , sem repetições , e as sociedades que acreditam em uma história cíclica , ou seja uma eterna repetição das eras assim como as estações . Na primeira é muito mais comum a idéia do milenarismo , um período de mil anos que preparará a humanidade para a segunda vinda do messias , na segunda o que prevalece é o mito da idade do ouro já referido (MEGIANE, pp. 2, 15 e 16; ELÍADE, p. 62) . Apesar desta diferenciação os mitos por vezes se misturam , e este me parece ser o caso de Portugal , que apesar de ser predominantemente cristão (milenarista) assimila o mito da idade do ouro e ainda o um messianismo conjugado ao mito do encoberto.

Fechada a questão outra consideração é sobre a mortalidade , é o homem primitivo o ser em que se desenvolve a explicação para a morte , evento extremo da existência humana , desta forma e acompanhando a fixação dos grupos e do advento da agricultura  é que o homem começa a comparar a sua vida ao ciclo das plantas ; nada mais se é do que uma semente que deve morrer para renascer , é a parábola do grão de mostarda do evangelho , é a morte e o renascimento (CAMPBELL, pp. 11-12) . Como exemplo maior e salvador da humanidade as figuras heróicas e messiânicas devem passar por esta experiência de morte e ressurreição , é o salvador que se auto sacrifica (CAMPBELL, pp. 12 e 19) pela criação.

Assim estes mitos relacionados à sucessão dos tempos , do advento de uma nova era , da morte e da ressurreição , do sacrifício divino que pertenceram à matriz da humanidade se perpetuam , evoluem sem perder a base comum (CAMPBELL,  p. 40) , se encontram nos choques culturais e por vezes recebem matizes e vernizes que os acondicionam dentro de religiões dominantes (ELÍADE, p. 148). É dentro desta última observação que encontramos elementos essenciais para o entendimento do sebastianismo , são raízes mitológicas pré cristãs e judaicas que ajudam a estruturar o mito do desejado.

Antes de avançarmos no campo das linhas formadoras do sebastianismo um último elemento deve ser analisado : o herói. Este como já foi referido é o grande representante da humanidade , o seu redentor (CAMPBELL, p. 132) , e aqui devemos explicar que herói no contexto mitológico não é apenas o ser que pega em armas mas o que se sacrifica por algo maior do que ele (CAMPBELL, p. 131) , “é o salvador que se auto sacrifica” (CAMPBELL, p. 119) , assim a alcunha de herói cabe tanto para Arthur quanto para o Cristo. Esta figura onde se depositam as esperanças da humanidade guarda sua importância na “moralidade da causa que o leva ao sacrifício” (CAMPBELL, p. 135) , ato este que encaminhará de alguma forma a humanidade a uma nova era . D. Sebastião encarna estas características , é o “Desejado” que se compromete ainda em vida a levar seu reino ao seu lugar devido , é o herói que se auto sacrifica , que passa pela experiência extrema da existência ; é o ser que se “sacrifica por algo maior do que ele” e dá à humanidade a esperança de seu retorno. É o homem semente que morre para renascer.

Esta idéia é crucial para o entendimento do sebastianismo : D. Sebastião sem querer encenou na vida real um dos “sonhos arquétipicos da humanidade” , e infelizmente não sei se consegui transmitir com justeza a raridade desta situação e a força que esta pôde exercer sobre toda a mentalidade de um povo ( mesmo reconhecendo raízes anteriores à D. Sebastião  é sem dúvida com este que a coisa se consolida e é claro que não à toa o mito leva seu nome ).
 
 

Parte 2
As linhas formadoras do sebastianismo

O sebastianismo é fruto da confluência de três “linhas” distintas , as novelas de cavalaria que transmitem o mito celta do “encoberto Arthur” , o joaquimismo , e o messianismo judaico-cristão (MEGIANE, p. 8) , tentarei nesta parte do trabalho fazer um breve levantamento da natureza e das características de cada uma destas influências.

A primeira linha apontada , a das novelas de cavalaria , é originária da Bretanha e constitui a mais original das influências , já que o joaquimismo é de certa forma uma conseqüência do milenarismo judaico-cristão. O mito arturiano remonta antigas lendas celtas a respeito de um “Rei encoberto” (SPALDING, pp. 124-125; HUBERT, pp. 329-332; ELÍADE, p. 151) , seu eixo central é a luta contra os invasores e a unificação do reino em torno desta , mas a narração revela muito mais .

O grande sentido dos acontecimentos narrados ; luta , traição , adultério , incesto e a morte final ( ou desaparecimento ) do rei e de seu filho incestuoso , mortos um pela mão do outro , revelam o fim do mundo , a desagregação de uma ordem e da instituição cavalaria  , é a “escatologia da cavalaria” (VIEIRA, pp. 1-7). Este fim não é puro e simples , ele se fortalece e se mantém na esperança do retorno do rei que não morreu , ele ficou “encoberto nas névoas da Ilha de Avalon” de onde retornará quando o reino novamente precisar . A história ganha seu formato completo ( e que será base para suas transmutações na França e na Península Ibérica ) no século XII , pela pena de um ou vários autores anônimos . Não é nenhuma coincidência com o sebastianismo é a constatação da mentalidade , da sua longa duração e de como o mito evolui .

O mito arturiano será empregado sucessivas vezes na história da Bretanha e posteriormente da Inglaterra  para assegurar a unidade territorial e a comunhão na luta contra o invasor , por isso não é estranho que o conto tenha se consolidado em um período ( já referido acima ) em que a dominação normanda nas ilhas britânicas ( após 1066 ) era identificada como o grande inimigo (MEGIANE, p. 36) . No período subsequente o mito chega à França ; traduzido em 1155 a história assimila novos elementos , como o “amor cortês” por exemplo (MEGIANE, p. 38) . Aqui é interessante notar dois movimentos distintos mas complementares para a chegada do mito à península. O primeiro movimento é relacionado ao tráfego de “monges , peregrinos e guerreiros” do além Pirineus para o aquém Pirineus e vice-versa  , este fluxo humano diretamente ligado à França carrega para Portugal diversas características que irão dar forma ao seu povo e seus traços culturais , nada mais expressivo para ilustrar este relacionamento do que o fato do primeiro soberano do Condado Portucalense ser um nobre francês. Dentre estas características estão a cultura oral , as canções de gesta , a poesia romântica e as novelas de cavalaria (MEGIANE, p. 33; FRANCO Jr, cap. 2) . Sem nenhum espanto encontramos o mito arturiano na bagagem destes nobres franceses que vão lutar em Portugal. É neste contexto , da chegada do mito à França e posteriormente a Portugal ( provavelmente século XIII (HERMANN, p. 185; VIEIRA, p. 5; MEGIANE, p. 39) ) e da consolidação da cavalaria como instituição  , que esta (FRANCO Jr, p. 19) e também as novelas ( sobretudo a história de Artur , pois possui uma forte raiz pré cristã ) se cristianizam pelas mãos de monges como Robert de Boron (MEGIANE, p. 39-40) , assim o Graal se transforma no Cálice Sagrado , Parsifal passa de homem e guerreiro comum para o casto e ingênuo , Artur se transmuta no encoberto e por fim Galahad simboliza o desejado , homem perfeito e salvador . Temos assim o antigo mito pagão devidamente enformado na fé cristã e pronto para ser consumido por uma nobreza ávida por aventuras , mas sobretudo católica. Aí está o segundo grande movimento .

Dado curioso que confirma a idéia de Campbell sobre a origem dos mitos é o de que durante a baixa idade média , principalmente ao longo das crises do século XIV vê-se pipocar “Reis encobertos” na Europa , de caráter messiânico e salvacionista (MEGIANE, p. 18) .

Podemos então avançar já dentro da história de Portugal propriamente ao identificarmos João de Barros como o grande difusor deste mito dentre a monarquia portuguesa já no final do século XV e início do XVI . Ao escrever em 1520 a Crônica do Imperador Clarimundo o poeta João de Barros cria a versão portuguesa do mito arturiano , com claras referências à Demanda do Graal (MEGIANE, pp. 49-50, 53-54) esta Crônica é utilizada na formação de sucessivas gerações de monarcas portugueses entre eles o jovem D. Sebastião , a obra terá papel decisivo na formação do caráter do futuro rei.

A segunda linha formadora do sebastianismo é o joaquimismo , termo utilizado para descrever as idéias do Monge Cisterciense Joaquim de Fiore ( existem várias grafias para o mesmo nome ) da região da Calábria. Esta linha de pensamento que definirei a seguir chega a Portugal provavelmente com os Franciscanos , tidos como “espirituais”.

O referido monge nascido no ano de 1135 na região da Calábria gozava já durante a sua permanência no Ordem de Cister de uma fama de “homem santo” e de idéias bastante controversas , assim não demora muito para que abandone a congregação e crie sua própria Ordem (DELUMEAU, p. 40). Estas idéias se baseavam principalmente na sua teoria dos tempos da cristandade : três idades do mundo correspondentes à trindade do cristianismo , o tempo do Pai que teria começado antes da graça com Adão , teve seu apogeu com Abraão e terminou com o nascimento de Cristo , o tempo do Filho que é o da graça , inicia-se com o Rei Orzias , florece com João Batista e Jesus e estaria próximo do fim , e o último dos tempos o do Espírito Santo que seria o da graça maior , teria começado com São Bento e frutificaria em breve com o retorno de Elias e terminaria com o Juízo Final (DELUMEAU, pp. 42-43). É importante ressaltar que no sentido radical das palavras Joaquim de Fiore não é milenarista porquê não fala sobre a duração deste último período e nem é messianista pois não fala sobre a volta do messias , estes conceitos mutam constantemente na sua migração e são reinterpretados a cada nova escala (DELUMEAU, p. 50). Ainda assim Fiore fala sobre “um período de descanso da terra” .

As idéias do monge seja com os Franciscanos , Dominicanos ou de outra forma com certeza chegam a Portugal e vai se juntar à massa formadora do sebastianismo.

Tanto o joaquimismo quanto o messianismo judaico-cristão que abordaremos em seguida tem suas raízes nos textos bíblicos e no Torá e a partir desta informação entramos no campo específico das religiões . Encontramos o judaísmo e o cristianismo como as duas religiões predominantes em Portugal , divisões do mesmo tronco teológico são crenças predispostas ao milenarismo e ao messianismo . Para ambos “o mito escatológico (....) se diferencia dos demais pela pregação de uma purificação e não de uma nova concepção , e este paraíso devolvido não terá mais fim . O tempo circular da eterna destruição reconstrução dá lugar ao tempo linear sem repetições . Além do mais insere-se o componente messiânico articulado com o fim do mundo e a chegada do paraíso.” (ELÍADE, p. 62)

Esta explicação de Elíade abre um campo de estudo bastante amplo e do qual tentarei levantar alguns elementos importantes . No antigo testamento , parte em comum das duas religiões , o número de referências messiânicas e milenaristas é muito grande , entre as muitas podemos citar Amós , Oséias , Zacarias , Isaías , Ezequiel e Daniel , este último importantíssimo pois é no seu livro que se interpreta o sonho do rei da Babilônia  em que aparecem os cinco impérios ou tempos da humanidade , e sobre o último deles diz:
 
 

“E (depois) se realizará o juízo , a fim de que lhe seja tirado o poder , e ele seja destruído e pereça para sempre , e seja dado o reino , o poder e a grandeza do reino , que esta debaixo de todo o céu , ao povo dos santos do Altíssimo , cujo reino é um reino eterno , e ao qual servirão e obedecerão todos os reis.” ( Daniel  7:26 e 7:27 ) 

Este texto será utilizado constantemente para comprovar a vinda do “quinto império” , encontraremos esta referência até mesmo em Fernando Pessoa no seu livro Mensagem . Outro texto cristão de grande importância é o Apocalipse de João que descreve o Juízo final e o retorno do Messias :
 

“E eles serão o seu povo , e o mesmo Deus com eles será o seu Deus ; e Deus lhes enxugará todas as lágrimas dos seus olhos ; e não haverá mais morte nem luto , nem clamor , nem mais dor , porque as primeiras coisas passaram . E o que estava sentado no trono disse : Eis que eu renovo todas as coisas . E disse-me : Escreve porque estas palavras são muito dignas de fé e verdadeiras . E disse-me : Está feito . Eu sou o Alfa e o Ômega , o princípio e o fim de tudo .”     (Apocalipse de João 21:3 , 21:4 , 21:5 , 21:6 )

É esta referencia a um tempo de dor e sofrimento que servirá como purificador e será seguido por um período de paz , prosperidade , etc. , que leva os fiéis cristãos e judeus a acreditarem na chegada do juízo final à cada nova crise , sobretudo na baixa idade média (ELÍADE, p. 63).

Talvez seja realmente difícil conseguir transmitir e imaginar a força que um texto desses tinha na mentalidade do homem medieval e as conseqüências que poderiam causar , principalmente quando transmitidos de forma parcial , alterados ou sem uma interpretação oficial da Igreja , não que esta também não tenha os alterado de acordo com seus interesses.

Fundamental para a difusão destes textos é a Diáspora Judaica após a destruição de Jerusalém em 70 d.C. (THE TIMES, p. 102) , diversas levas de imigrantes judeus fixam em diversas regiões da Europa , praticamente todo o continente recebeu mais ou menos semitas. Uma parte considerável deles se estabelece na Península Ibérica e leva consigo a sua cultura que neste longo período de exílio constitui-se como elemento mantenedor da unidade do povo judeu , separado pela distância a sua cultura e a preservação da mesma  é o que garante a sobrevivência de uma identidade própria. Uma hipótese que podemos aventar é a de que este fracionamento do povo judaico , apesar da preservação cultural acima citada , cria vários grupos isolados e sem intercâmbio , assim o aparecimento de supostos messias que seria praticamente impossível em uma situação de unidade territorial pôde se desenvolver nestas colônias e com endosso por vezes da própria comunidade , ou seja o aparecimento e a proliferação de messias nas colônias judaicas da Europa foi favorecido pelo desmembramento provocado pela Diáspora.

Assim nós encontramos as três linhas principais e identificáveis que formaram o sebastianismo em Portugal , o arturianismo , o joaquimismo e o messianismo judaico-cristão , tradições diferentes que se fundem e dão origem a uma nova configuração.
 
 

Parte 3
O contexto

Para o desenvolvimento de um mito não basta seus elementos próprios há de se ter condições favoráveis para isso , Portugal do século XVI ao que nos parece continha vários destes fatores que tentarei demonstrar nesta parte.

Durante grande parte da baixa idade média a Europa se viu afundada em crises , são sucessivas ondas de fome , peste e guerras que se manifestam sobretudo nos séculos XIV e XV, assim se vê um fortalecimento e reaparecimento de muitos mitos (ELÍADE, p. 161; MEGIANE, p. 60). Como se não bastasse desde o século XIII seguem-se diversos levantes populares em várias regiões como Flandres , Toulouse , Kent , Paris , Gand , etc. , bancos italianos vão a falência , o preço dos cereais caem , há uma ausência de metais preciosos essenciais para o comércio e caem consequentemente as arrecadações de impostos , tudo isto leva a um êxodo urbano quase que generalizado (DELUMEAU, pp. 73-76). Esta situação de desespero leva as populações a buscar explicações e soluções divinas para a crise , assim encontra o messianismo e o milenarismo espaço para crescer. Dado que atesta esta relação entre crise e escatologia é o de que não há evidências de surtos desta natureza na Europa antes do final do século XI (DELUMEAU, p. 36).

Este clima de incerteza e medo permeia quase toda a baixa idade média e avança sobre a idade moderna (DELUMEAU, p. 75; HERMANN, p. 37) , o descobrimento da América em 1492 causa uma verdadeira revolução no imaginário europeu , a terra não se resume mais às regiões da Europa , Ásia e África , este novo território necessita de uma explicação divina , talvez seja o paraíso , talvez seja o prenúncio do juízo final já que o último rincão da terra havia sido conquistado pelo cristianismo (DELUMEAU, p. 176).
 

Em Portugal cresce durante todo o século XIV as lendas em torno da figura de D. Afonso Henriques e a batalha de Ourique , assumindo cada vez mais um caráter divino (MEGIANE, p. 47) , isto não é um acidente mas fruto de uma tentativa de divinizar a monarquia portuguesa , não tanto quanto os “Reis Taumaturgos” mas ainda dentro deste sentido , assim Portugal é o reino escolhido por Deus para comandar a cristandade em direção a um novo tempo (MEGIANE, pp. 48, 78-81; HERMANN, p. 24).

O Portugal do início do século XVI já não apresentava a mesma vitalidade que havia lhe proporcionado o papel de vanguarda do século anterior , uma decadência econômica se instala obrigando até mesmo a abandonar antigas possessões na África (MEGIANE, p. 86; HERMANN, p. 29) , se isto já não bastasse para abalar o imaginário dos portugueses a política de casamentos com a coroa de Castela e a unificação do trono espanhol deixa Portugal em uma constante situação de risco para sua independência (MEGIANE, p. 88). Neste mesmo Portugal se mantém traços da medievalidade como o espírito cruzadístico e a identificação de um “Rei cavaleiro” convivendo com práticas modernas do antigo regime (HERMANN, p. 34) , desta forma o desejo de retomar as possessões africanas e recuperar a glória do passado manuelino , a exortação à guerra e o espírito de cruzada se juntam formando uma “mistura explosiva” que será a tônica do reinado do desejado . Ainda neste período há um crescimento considerável da circulação de livros impressos e de versões populares da Bíblia o que favorece a livre interpretação já referida (HERMANN, p. 35).

Enfim o mito que futuramente se tornaria o sebastianismo encontra o elemento que faltava , um sapateiro que colocasse no papel as idéias e as difundisse em um meio predisposto a aceitá-las . Gonçalo Annes , o Bandarra , representante da “cultura artesã apocalíptica” descrita por Jacqueline Hermann (HERMANN, pp. 49, 121) , é o elemento responsável pela transição e transmissão na esfera popular do messianismo , transitando entre cristãos novos e velhos (HERMANN, p. 46) o ilustre sapateiro assimila diversos elementos de ambas culturas para redigir suas Trovas , ao fazê-lo também cumpre o papel de intermediador entre o oral e o escrito , o que antes era cultura oral passa a existir na forma escrita , ou seja Bandarra é o grande mediador entre dois mundos : o cristão novo e o cristão velho , o oral e o escrito , o popular e o erudito (HERMANN, p. 41). Nas suas Trovas Bandarra fala sobre  três temas , a sociedade e a hierarquia quebrada , a esperança de um novo mundo e a atribuição a um rei português a missão salvadora (MEGIANE, pp. 30-31) e é este texto que circula entre o povo que tem o sapateiro como “profeta”.

Paralelo interessante de se traçar é entre Bandarra e João de Barros , ambos falam de um Portugal imperial , terra de gente gloriosa e grandes conquistas , aonde o rei é responsável pela realização da vontade divina  , apesar da natureza diversa das influências que os dois assimilaram para redigir seus textos o papel divulgador do mito é muito próximo :

João de Barros                   /                 Bandarra
Novelas de Cavalaria      /                     Trovas
Nobreza                        /                   Povo
Erudito                              /                   Popular
_______________DESEJADO_____________
___________PORTUGAL IMPERIAL_________

Graças a esta relação de diferentes esferas de divulgação do mito , mas de comunhão nos elementos e nas idealizações pôde o messianismo/milenarismo que depois se transformou em sebastianismo se instalar no imaginário tanto da “gente miúda” quanto da nobreza portuguesa.

Por fim o episódio do nascimento de D. Sebastião é bastante revelador , sua chegada de uma forma quase que milagrosa afasta mais uma vez as pretensões castelhanas , durante longas semanas forma-se em Portugal uma verdadeira corrente que , como Jacqueline Hermann diz , lhe atribui o codinome de “O Desejado”. Criado em meio de disputas políticas acirradas o jovem rei recebe uma educação  extremamente religiosa e assimila vários aspectos que formarão sua personalidade , o espírito cruzadístico , a misoginia , a obsessão pela retomada das possessões africanas ( para que então pudesse Portugal retomar seu devido lugar ) . Enfim é este caráter obsessivo , quase doentio que leva o Desejado a perder sua vida e de certa forma a independência portuguesa na batalha de Alcácer Quibir em 1578. Seu corpo jamais foi encontrado , pelo menos não para o povo português que desde então identifica o jovem rei como o seu Messias , aquele que conduzirá Portugal ao seu destino divinamente traçado , à um período de felicidade , paz e prosperidade , ou como diria Pessoa : “No mais é esperar por D. Sebastião , quer venha , quer não.”

 

 

Conclusão

 

  Desta pesquisa algumas conclusões afloram , outras ficam mais como dúvida , a primeira das constatações é a de que os mitos que darão corpo ao sebastianismo nascem em um período muito anterior ao século XVI , estes mitos tem duas raízes : a religião celta e a religião judaica que depois dará origem ao cristianismo. Estas linhas se encontram em Portugal e se mesclam tanto na esfera popular quanto na nobreza , assim quando nasce o Desejado podemos afirmar que já havia uma forte predisposição para sua identificação com o “Messias do reino” , era como já disse um raro momento em que o mito se torna realidade e se realiza um sonho arquétipico da humanidade.

Outra conclusão é de que na formação do sebastianismo a raiz celta teve tanta importância quanto a raiz judaica sendo portanto um erro atribuir a esta segunda um caráter predominante.

Talvez a grande conclusão seja enfim a de que o sebastianismo é um mito universal nos seus elementos e que encontrou no reino de Portugal e no seu jovem rei o espaço que necessitava para eclodir após um longo período de “incubação” no imaginário de seu povo.


 

Bibliografia

OBRAS DE REFERÊNCIA
(1)  Atlas da História do Mundo , São Paulo , Folha da Manhã , 1995.
(2)  Spalding , Tassilo Orpheu , Dicionário de Mitologia , egípcia , sumeriana , babilônica , fenícia , hurrita , hitita e celta , São Paulo , Cultrix , 1995.
(3)  A morte do rei Artur , São Paulo , Martins Fontes , 1991.

LIVROS
(1)Delumeau , Jean , Mil anos de felicidade , uma história do paraíso , São Paulo , Companhia das Letras , 1997.
(2)_________________ A civilização do renascimento , Lisboa , Editorial Estampa , 1984.
(3)Franco Jr. , Hilário , Monges , peregrinos e guerreiros - Feudo-clericalismo e religiosidade na Castela medieval , São Paulo , Hucitec , 1990.
(4)Hermann , Jacqueline , No reino do desejado - A construção do sebastianismo em Portugal ( séculos XVI e XVII ) , São Paulo , 1998.
(5)Hubert , Henri , Los Celtas y la expansión , Barcelona , Editorial Cervantes , 1942.
(6)Megiani , Ana Paula Torres , O jovem rei encantado - Aspectos da construção e personificação do mito messiânico português . Ex. da dissertação de mestrado apresentado à Faculdade de História da USP , São Paulo , 1995.
(7)Serrão , Joaquim Veríssimo , História de Portugal , vol. IV , Lisboa , Editorial Verbo , 1978

Rodrigo Silva
cornerbh@zipmail.com.br
3º Semestre - História/USP
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 Batalha de Álcacer Quibir
4 de Agosto de 1578



Assinala-se hoje ??? os 431 anos da Batalha de Álcacer Quibir.

"O Império Otomano, agora sob a égide de Selim II, filho de Suleimão, o Magnífico, expandira-se por todo o Norte de África, debatendo-se ainda com dificuldades em Marrocos, devido a resistências que os seus tratados, subornos e exércitos não conseguiam de todo controlar.

O Império Otomano vivia também do corso, e os seus corsários e piratas infestavam o Mediterrâneo e toda a zona que ia desde Larache até Cádiz e Faro. Apesar da derrota naval sofrida em Lepanto, em 1571, o Império em breve reconstruía a sua frota, e os receios colocados nas Cortes de 1562 - de que os otomanos tomassem conta do Estreito de Gibraltar, fechando o Mediterrâneo (principalmente depois de D. João III, por razões economicistas, ter abandonado várias praças-fortes do Norte de África) - ganhavam nova força. Também a actividade corsária era agora mais que muita, atacando os nossos navios que regressavam da Índia, e chegando a fazer raides sobre o Algarve.

Assim, seguindo as determinações das Cortes, D. Sebastião começou a preparar expedições militares ao Norte de África, contando com a ajuda de forças multinacionais, tal como o seu primo D. João de Áustria havia feito em Lepanto. A ideia era a de aproveitar o resultado de um golpe de estado local, em que o emir Mulei Maluk (aliado dos otomanos) destronara o seu sobrinho, Mulei Muhamed. Este, em troca da ajuda portuguesa, entrega a Portugal a praça-forte de Arzila, uma das abandonadas por D. João III.

A reposição das praças-fortes portuguesas e o afastamento dos otomanos levaria ao afastamento dos corsários e ao estabelecimento trocas comerciais com Marrocos e ao restabelecimento de rotas comerciais terrestres, aproveitando as caravanas de comércio do ouro.

Assim, não era só o interesse comercial de Portugal que estava em jogo; não era só a ideia da «expansão da Fé», propalada inteligentemente pela Igreja para arranjar apoios; não era só a busca de glória militar do nosso Rei. Era, principalmente uma questão de sobrevivência, não só do Império Português, mas talvez mesmo da própria Europa.
O Império Turco estava em expansão, era necessário travá-lo.

D. Sebastião enfrentou mil e uma dificuldades, erros, impreparações, e mil e uma traições. A derradeira, quando no chamado «minuto vitorioso» da Batalha dos Três Reis, em que a carga de cavalaria pesada do Duque de Aveiro entra como faca quente em manteiga pelas hostes adversárias (enquanto o terço de D. Sebastião eliminava a artilharia inimiga a golpes de espada), o célebre grito de «Ter, ter! Volta, volta!» que vai provocar a retirada da nossa cavalaria e desencadear o desastre, vai levar a que D. Sebastião tente desesperadamente salvar «o que poderia ser salvo», ou seja, acudir aqui e ali, onde a sua ajuda e dos seus exímios cavaleiros fosse mais necessária.

Quando, perante a imensidão do desastre, lhe vêem pedir «para que se salve», ele recusa. Recusa deixar morrer aqueles desgraçados sem que tente, pelo menos, lutar até ao fim. Dizem-lhe que então irá morrer. Ele responde, num sorriso amargo «Morrer sim, mas devagar...»
Assim ditavam os códigos de Cavalaria.

Mas bastará, como consolação póstuma desse 4 de Agosto de 1578, relembrar que o objectivo primário da batalha de Al-Kasr Al-Kebir foi alcançado: o Império Otomano encontrou ali o fim da sua expansão, e começou o seu declínio, à custa de Portugal.

E, por fim, uma curiosidade: como penhor da ajuda de D. Sebastião, os partidários do falecido Mulei Muhamed enviaram 600 dos seus melhores cavaleiros para defenderem Portugal da invasão espanhola. Tombaram galantemente na Batalha de Alcântara, provocando o caos entre os mercenários italianos do Duque de Alba."
http://o-cicatrizante.blogspot.com/2009/03/batalha-dos-tres-reis-4-de-agosto-de.html

E para quem quiser ver este episódio retratado num filme, aqui está a parte da batalha de Álcacer Quibir no "Non ou a Vã Glória de Mandar" de Manoel de Oliveira:
http://www.youtube.com/watch?v=ljQCbG4vvKA
http://www.youtube.com/watch?v=J96--m-wTXo