O Milagre de Ourique

 

O Milagre de Ourique : O Plano do Senhôr para
Portugal

 

 

 

 

A
Batalha de Ourique e o nascimento do
Reino
de Portugal

Foi na Batalha de Ourique que nasceu o Reino
Português. Enfrentando os infiéis maometanos, os portuguêses achavam-se em
grande inferioridade numérica, sendo que muitos cronistas idóneos referem-se a
cem ismaelitas para cada lusitano. Nessa situação crítica, Nosso Senhôr veio em
auxilio dos Cristãos e ordenou que D. Afonso Henriques fôsse rei daquêle
pôvo.

Bastaria a tradição do aparecimento de Cristo, o nosso Salvadôr ,
mercê feita a El-Rey D. Afonso Henriques, mas esta é ainda confirmada, pêlos
textos dos nossos autôres, assim como o de muitos estrangeiros gravíssimos, para
se têr como certo o favôr que Dêus Nosso Senhôr quis fazer à Nação Portuguêsa.
Mas para maior confirmação , ordenou o mesmo senhôr El-Rey , parece que com
particular providência, que nos ficasse outra memória ilustríssima dessa
verdade. E é uma escritura autêntica em que o mêsmo rei D. Afonso jura pêlos
santos Evangelhos como viu com os seus próprios olhos o Salvadôr do mundo na
forma que temos contado.

Achou-se, no ano de 1506, no cartório do
Real Mosteiro de Alcobaça e foi instrumento o Doutôr Frei Bernardo de Brito,
cronista-mor de Portugal, a quem o Reino deve com a glória adquirida pêlos seus
escritos, as graças de tão ditôso achado. É um pergaminho de lêtra antiga, já
gasto, com o sêlo de El-Rey D. Afonso, e outros quatro de cêra vermelha, com
pendentes de fios de sêda da mêsma côr, confirmado por pessôas de autoridade, em
que se fundamenta o maior crédito humano que pode havêr em escrituras.

O
Doutôr Frei Lourenço do Espírito Santo, Abade então daquela Casa Geral da Ordem
de Cister, nêste reino, pessôas de grandes lêtras e muita prudência, julgou sêr
vontade de Dêus divulgar-se por tôdos esta memória. E assim, indo a Lisboa,
alevou o pergaminho e mostrou aos senhôres do governo, e depois fazendo jornada
à côrte de Madrid, o apresentou

 

ao católico rei D. Felipe II, e o
viram também muitos grandes da sua côrte, e por tôdos foi venerado e estimado
como merecia , um documento de tanto prêço, do qual o teor é o seguinte:

“Eu, Afonso, Rei de Portugal, filho do
Conde D Henrique e neto do grande Rei D. Afonso, diante de vós, Bispo de Braga e
Bispo de Coimbra e Teotónio, e de tôdos os demais vassalos do mêu reino, juro
nesta Cruz de metal, e nêste livro dos Santos Evangelhos, em que eu pônho as
minhas mãos, que êu, miserável pecadôr, vi com estes olhos indignos a Nosso
Senhôr Jesus Cristo estendido na cruz, do modo seguinte:

“Êu estava com o meu exército nas terras do
Alentejo, no Campo de Ourique, para dar batalha a Ismael e outros quatro reis
mouros que tinham consigo infinitos milhares de homens. E a minha gente ,
temerosa da sua multidão, estava muito atribulada e triste. Em tanto que
publicamente, diziam alguns sêr temeridade acometêr tal jornada. E eu, enfadado
do que ouvia, comecei a cuidar comigo o que faria. E como estivesse na minha
tenda um livro em que estava escrito o Testamento Velho e o de Jesus Cristo,
abri-o e li nele a vitória de Gedeão, e disse para mim mesmo. Muito bem sabeis
vós, Senhor Jesus Cristo, que por Amôr Vosso tomei sobre mim esta guerra contra
os Vossos adversários. Em Vossa Mão está, dar a mim e aos mêus, fortaleza para
vencêr estes blasfemadores do Vosso Nôme.
“Ditas estas palavras, adormeci
sôbre o livro e comecei a sonhar que via um homem velho vir para onde eu estava
e que me dizia: Afonso, tem confiança, porque vencerás e destruirás estes reis
infiéis e desfarás a sua potência e o Senhor Se te mostrará.

“Estando nesta visão, chegou João Fernandes
de Souza, meu camareiro, dizendo-me: Acorde senhôr mêu, porque está aqui um
homem velho que vos quer falar. Entre - respondi-lhe - se é cristão.

“E
tanto que entrou, conheci sêr aquêle que no sonho vira, o qual me
disse:

“Senhôr, tende bom coração, vencereis e não sereis vencido. Sois
amado do Senhôr, porque sem dúvida Pôs sobre vós, e sôbre a vossa geração depois
dos vossos dias, os olhos da Sua Misericórdia, até a décima sexta descendência,
na qual se diminuirá a sucessão, mas nela assim diminuída, Êle tornará a pôr os
olhos e Verá. Êle me Manda dizêr-vos que quando na seguinte noite ouvirdes a
campainha da minha ermida, na qual vivo há sessenta e seis anos guardando no
meio dos infiéis com o favôr do mui Alto, saiais fora do Real, sem nenhum
criado, porque vos Quer mostrar a Sua grande Piedade.

 

 

 

“Obedeci, e prostrado em terra, com muita
reverência, venerei o embaixadôr e Quem o mandava. E como, pôsto em oração,
aguardava o som, na segunda vela da noite ouvi a campainha, e armado com espada
e rodela, saí fora dos reais, e súbitamente vi à parte direita, contra o
nascente, um raio resplandecente e indo-se pouco a pouco clarificando, cada hora
se fazia maior.

 

E pondo de propósito os olhos para aquela parte,
vi de repente, no próprio raio o sinal da Cruz, mais resplandecente que o Sol, e
um grupo grande de mancebos resplandecentes, os quais creio que seriam os santos
anjos. Vendo pois esta visão, pondo à parte o escudo e a espada, (...) me lancei
de bruços e desfeito em lágrimas comecei a rogar pela consolação dos meus
vassalos, e disse sem nenhum temôr:

“A que fim me apareceis, Senhôr? Quereis
porventura acrescentar fé, a quem tem tanta? Melhor é, por certo, que Vos vejam
os inimigos e creiam em Vós, que êu que dêsde a fonte do baptismo Vos conheci
por Dêus verdadeiro, Filho da Virgem e do Padre Eterno, e assim Vos conheço
agora.

“A Cruz era de maravilhosa grandeza, levantada da terra quase dez
côvados. O Senhôr , com um tom de voz suave, que as minhas orelhas indignas
ouviram, disse-me:

“Não te apareci dêste modo para acrescentar a tua
fé, mas para fortalecêr o têu coração nêste conflito, e fundar os princípios do
têu reino sobre pedra firme. Confia, Afonso, porque não só vencerás esta
batalha, mas tôdas as outras em que pelejares contra os inimigos da minha Cruz.
Acharás a tua gente alegre e esforçada para a peleja, e te pedirá que entres na
batalha com o título de Rei. Não ponhas dúvida, mas tudo quanto te pedirem, lhes
concede fácilmente. Eu Sou O Fundadôr e o Destruidôr dos reinos e impérios, e
Quero em ti e nos têus descendentes fundar para Mim um Império, por cujo meio,
seja o Mêu Nôme publicado entre as nações mais estranhas. E para que os teus
descendentes conheçam Quem lhes dá o reino, comporás o Escudo das tuas armas com
o prêço pêlo qual Eu Remi o género humano, e daquêle porque fui comprado pêlos
judeus, ser-me-á o reino santificado, puro na fé e amado na Minha Piedade.

“Eu, tanto que ouvi estas coisas, prostrado em
terra, O adorei dizendo: Por que méritos, Senhor, me mostrais tão grande
misericórdia? Ponde, pois, os Vossos benignos Olhos nos sucessôres que me
prometeis, e Guardai salva , a gente portuguêsa. E se acontecêr que Tenhais
contra ela algum castigo aparelhado, executai-o antes em mim (...) e livrai este
povo que amo como o único filho.

“Consentindo nisso, o Senhôr disse-me : Não se
apartará nunca dêles nem de ti, a Minha Misericórdia, porque por sua via tenho
aparelhadas grandes searas, e a êles escolhidos por mêus seguidores em terras
muito remotas.


“Ditas estas palavras Desaparecêu e êu, cheio de
confiança e suavidade me tornei para o real. E porque isto se passou em verdade,
juro, eu, D. Afonso, pêlos Santos Evangelhos de Jesus Cristo, tocados com estas
mãos. E, portanto, mando aos mêus descendentes que para sempre sucederem, que em
honra da Cruz e das Cinco Chagas de Jesus Cristo, tragam no sêu escudo, os Cinco
Escudos partidos em Cruz, e em cada um dêles os trinta dinheiros, e por timbre a
Serpente de Moisés, por sêr a figura de Cristo e êste seja o troféu da nossa
geração. E se alguém intentar o contrário, que seja maldito do Senhôr e
atormentado no inferno com Judas, o traidôr.

“Foi feita a presente carta
em Coimbra aos vinte e nove de Outubro, na Era de 1152,

“êu, El-Rey D.
Afonso”.

(Fonte : da Crónica  d ' E l –