Fernando Pessoa 4

 

PRECE

 

Senhor, a noite veio e a alma é vil.

Tanta foi a tormenta e a vontade!

Restam-nos hoje, no silencio hostil,

O mar universal e a saüdade.  

Mas a chamma, que a vida em nós creou,

Se ainda ha vida ainda não é finda.

O frio morto em cinzas a occultou:

A mão do vento pode erguel-a ainda.  

Dá o sopro, a aragem – ou desgraça ou ancia –,

Com que a chamma do esforço se remoça,

E outra vez conquistemos a Distancia –

Do mar ou outra, mas que seja nossa!  

 

D. SEBASTIÃO

 

Sperae! Cahi no areal e na hora adversa

Que Deus concede aos seus

Para o intervallo em que esteja a alma immersa

Em sonhos que são Deus.  

Que importa o areal e a morte e a desventura

Se com Deus me guardei?

É O que eu me sonhei que eterno dura,

É Esse que regressarei.

 

O DESEJADO

 

Onde quer que, entre sombras e dizeres,

Jazas, remoto, sente-se sonhando,

E ergue-te do fundo de não-seres

Para teu povo fado!  

Vem, Galaaz com patria, erguer de novo,

Mas já no auge da suprema prova,

A alma penitente do teu povo

À Eucharistia Nova.  

Mestre da Paz, ergue teu gladio ungido,

Excalibur do Fim, em geito tal

Que sua Luz ao mundo dividido

Revele o Santo Gral!  

 

O ENCOBERTO

 

Que symbolo fecundo

Vem na aurora anciosa?

Na Cruz Morta do Mundo

A Vida, que é a Rosa.  

Que symbolo divino

Traz o dia já visto?

Na Cruz, que é o Destino,

A Rosa, que é o Christo.  

Que symbolo final

Mostra o sol já disperto?

Na Cruz morta e fatal

A Rosa do Encoberto.  

 

O BANDARRA

Sonhava, anonymo e disperso,

O Imperio por Deus mesmo visto,

Confuso como o Universo

E plebeu como Jesus Christo  

Não foi nem santo nem heroe,

Mas Deus sagrou com Seu signal

Este, cujo coração foi

Não portuguez mas Portugal.  

 

ANTÓNIO VIEIRA

 

O céu strella o azul e tem grandeza.

Este, que teve a fama e à gloria tem,

Imperador da lingua portuguesa,

Foi-nos um céu tambem.  

No immenso espaço seu de meditar,

Constellado de fórma e de visão,

Surge, prenuncio claro do luar,

El-rei D. Sebastião.  

Mas não, não é luar: é luz do ethereo.

É um dia; e, no céu amplo de desejo,

A madrugada irreal do Quinto Imperio

Doira as margens do Tejo.

 

 

TERCEIRO

 

Screvo meu livro à beira-magua.

Meu coração não tem que ter.

Tenho meus olhos quntes de agua.

Só tu, Senhor, me dás viver.  

Só te sentir e te pensar

Meus dias vacuos enche e doura.

Mas quando quererás voltar?

Quando é o Rei? Quando é a Hora?  

Quando virás a ser o Christo

De a quem morreu o falso Deus,

E a dispertas do mal que existo

A Nova Terra e os Novos Céus?  

Quando virás, ó Encoberto,

Sonho das eras portuguez,

Tornar-me mais que o sopro incerto

De um grande anceio que Deus fez?  

Ah, quando quererás, voltando,

Fazer minha esperança amor?

Da nevoa e da saudade quando?

Quando, meu Sonho e meu Senhor?