Camôes

 

Camões é o primeiro poeta épico a ter como herói todo UM POVO 

 

PORTUGALIDADE E  OS LUSÍADAS

Terá Luís de Camões, nos Lusíadas, falado dos Portugueses? Do Povo Luso? Da sua Grei? dos seus Reis? Dos seus Heróis?
Terá Camões dito:

- Quem são os Portugueses?
- donde vieram os Lusitanos?
- Para onde é que vão?

Terá Camões descrito quais são os seus costumes, os seus valores, a maneira de ser, da maneira de estar na vida? Terá ele descrito a civilização Lusa, quais as sementes que eles deixaram pelo Mundo fora, e mesmo feito a comparação do Ser-se portugês, em confronto com os outros Povos?
Terá ele em fim, descrito a Paideia Lusa?
Ou pelo contrário só terá falado dos ingredientes culinários necessários para se fazer o "Cozido à Portuguesa"?

Vamos ver:

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Camões é o primeiro poeta épico, a ter como herói do seu poema, não um Homem ou Mulher, mas todo UM POVO desde a a sua "arraia miúda" até aos seu barões, aos seus reis, à sua Alma Una, simbolizada pelo seu "peito".


Os Lusíadas, realmente cantam
"As armas e os barões assinalados"

"E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé e o IMPÉRIO
"e aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando

"Que eu canto o peito ilustre Lusitano
A quem Neptuno e Marte obedeceram"

E tudo isto porque?

Porque Camões vai descrever, esclarecer, fazer troar por todo o Mundo, a maneira de ser e de estar de todo UM POVO, que até aquela data era um POVO DIFERENTE de todos os outros Povos.
Por isso:

"Cesse tudo o que a Musa antiga canta
Que outro valor mais alto se alevanta".

E além disso, esse Povo estendeu por toda a ORBE, a sua maneira de ser, a sua civilização.

"Vós, poderoso Rei, cujo alto Império
O sol logo em nascendo vê primeiro,
Vê-o também no meio do Hemisfério
E quando desce o deixa derradeiro".

E esse povo lusitano, essa gente é realmente diferente dos outros, é efectivamente grandíloca.

"E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente".

E a maneira de ser, de estar na vida, as façanhas desse povo lusitano, é verdadeira e não fantasia ou "virtual" (como hoje se diria).

"… não vereis como vãs façanhas
Fantásticas, fingidas, mentirosas
Louvar os vossos…

As verdadeiras vossas são tamanhas
Que excedem as sonhadas, fabulosas
Que excedem Rodamonte, e o vão Rugeiro,
E Orlando, inda que fora verdadeiro".

Enfim, Camões promete descrever ao Rei D. Sabastião, de onde é que os Lusos vêm ou descendem, onde estão, e para onde querem ir, quais os valores que os norteiam, quais os heróis que os representam e encarnam, enfim qual a maneira de ser e de estar no mundo que os lusitanos praticam.

E assim Camões propõe-se explicar

Que gente será esta, em si dizemos
Que costumes, que Lei que Rei teriam.

Quem eram, de que terra, que buscavam
Ou que partes do mar corrido tinham?

os Portugueses somos do Ocidente
Ia-mos buscar as terras do Oriente.

"Do mar temos corrido e navegado
Toda a parte da Antárctica e Calisto
Toda a costa Africana rodeado
Diversos Céus e terras temos visto".

(e ainda hoje, 450 anos passados, continuam os lusitanos na sua diáspora, na sua paideia, na sua portugalidade, a peregrinar por
"Diversos Céus e terras temos visto"
E afinal, o que é que somos? Um Povo sedentário? Um povo nómada? Um povo preguiçoso? Um povo que foge ao trabalho? Um povo sem esperança? Um povo Rico e afortunado? Um povo não crente? Um povo que não sabe amar?

"Oh grandes e gravíssimos perigos
Oh caminhos de vida nunca certo
Que, aonde a gente põe sua esperança
Tenha a vida tão pouca segurança.

"No mar, tanta tormenta e tanto dano
Tantas vezes a morte apercebida;
Na terra tanta guerra, tanto engano
Tanta necessidade aborrecida.

"Onde pode acolher-se um fraco humano
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne ao Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno.

"Quem poderá de mal aparelhado
Livrar-se sem perigo, sabiamente
Se de lá de cima a Guarda Soberana
Não acudir à fraca força humana.

"Ó tu, Guarda Divina, tem cuidado
De quem sem Ti, não pode ser guardado".

E Camões sabe e ensina, que é próprio do português, que o núcleo, o âmago da Portugalidade está no

"Ser no Estar
Sem nele ficar"

Os Lusitanos sabem, que são meros viventes PEREGRINOS nesta Terra, onde o seu Espírito ou alma, nessa terra não ficará. Daí a singularidade da Portugalidade.

"E se te move tanto a piedade
Desta mísera gente Peregrina
Que, só por Tua altíssima bondade
Da gente a salvas, pérfida e malina"

"Nalgum porto seguro, de verdade
Conduzei-nos, já agora determina
Ou nos mostra a terra que buscamos
Pois só por Teu serviço, navegamos".

Aqui está o âmago e a "idiossincrasia" da Portugalidade. O ser humano, e nomeadamente o lusitano, o luso, o filho da Luz, é um mero peregrino que navega neste mar terrestre - na maior parte das vezes, à deriva, ou à "bolina" mas que do fundo do seu coração e do seu entendimento, anseia por ser conduzido e abrigado num Porto Seguro, na terra (ou na Jerusalém celeste) que se busca procurando ansiosa e constantemente, encontrar o seu Norte, que o leve de retorno à fusão com a Saudade da sua Mátria.
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E isto Camões rediz e reforça, usando como pretexto, o ter de dar explicações e ensinamentos ao Rei de Coxim do Oriente, sobre quem são os Lusitanos, de onde vêm e o que procuram.

"Eis aqui se descobre a nobre Hespanha
como cabeça ali da Europa toda
Em cujo senhorio e glória estranha
Muitas voltas tem dado a fatal roda".

"Eis aqui, quase cume da cabeça
Da Europa toda, o Reino Lusitano
Onde a terra se acaba, e o mar começa".

"Esta foi Lusitania, derivada
Do Luso, ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros
E nele estão os incolas primeiros".

"E com amor intrínseco acudidos
Da Fé, mais que de honras populares
Eram de várias terras conduzidos
Deixando a Pátria amada e próprio lares
Depois que em feitos altos e subidos
Se mostraram nas armas singulares".

"Porque não é das forças lusitanas
Temer poder maior, por mais pequeno".

E o amor estará intrínseco na alma e no peito lusitano?

O português quando verdadeiramente ama, ama até à eternidade.

"Estavas, linda Inês, posta em sossego
Dos teus anos colhendo doce fruito
Naquele engano de alma ledo e cego
Que a Fortuna não deixa durar muito".

"De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia em pensamentos que voavam
E quanto enfim cuidava e quanto via
Eram tudo memória de alegria".

"Tu só tu, puro amor, com força crua
Que os corações humanos tanto obriga
Deste causa à molesta morte sua"

"O caso triste e digno de memória
Que do sepulcro os homens desenterram,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que depois de ser morta, foi Rainha".

Que "Amor" é o que ainda hoje o nosso Fado canta?

Mas na Paideia Lusa, há também traidores, cobardes, simuladores, invejosos e até anti-religiosos (que hoje se chamam ateus ou laicizantes).
"Negam o rei e a Pátria e, se convém
Negarão, como Pedro, o DEUS que tem".

"Como? Da Gente Ilustre Portuguesa
Há-de haver quem refuse o pátrio Marte?
Como? Desta província, que princesa
Foi das gentes na guerra em toda a parte,
Há-de sair quem negue ter defesa?
Quem negue a Fé, o amor, o esforço e arte
De Português, e por nenhum respeito, o
Próprio Reino queira ver sujeito?"

"Como? Não sois vós ainda os descendentes
Daqueles que, debaixo da bandeira
Do grande Henrique, feros e valentes
Vencestes esta gente tão guerreira?"

"E se com isto, enfim, vos não moverdes
Do penetrante medo que tomastes,
Atai as mãos a vosso vão receio,
Que, eu só, resistirei ao jugo alheio".

E a fraternidade a ser sacrificada em favor da Grei e do Rei?

"Ver ser cativo o santo Irmão Fernando
(que a tão altas empresas aspirava)
Que, por salvar o povo miserando
Cercado, ao Sarraceno se entregava
Só por amor da pátria está passando
A vida de senhora feita escrava".

E o espírito experiente conservador, contestatário e pessimista do povo português, não está também descrito nos Lusíadas?




Vejamos:

"Mas um velho, de aspecto venerando
Que ficava nas praias, entre a gente
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C'um saber só de experiência feito,
Tais palavras tirou do esperto peito".

"Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos Fama!
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Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas".

"A que novos desastres determinas
De levar estes Reinos e esta gente?
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Que famas lhes prometerás? Que histórias?
Que triunfo? Que palmas? Que vitórias?"

"Deixas criar à porta o inimigo
Para ires buscar outro de tão longe".

"Buscas o incerto e incógnito perigo
Por que a Fama te exalte e lisonge".

Também é próprio da Portugalidade albergar em si, os arrogantes, os demagogos os fanfarrões, os "ousados aventureiros" que ainda por cima desejam ser "charmosos" e provocar "humorismo".

"É Veloso no braço confiado
e, de arrogante, crê que vai seguro
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No aventureiro, eis pelo monte duro
Aparece e, segundo ao mar caminha
Mais apressado do que fora, vinha".

"Disse então a Veloso um companheiro
(começando-se todos a sorrir)
Olha, Veloso amigo, aquele outeiro
É melhor de descer, que de subir".
Sim, é respondeu o "ousado aventureiro",
Mas, quando eu para cá vim tantos vir
Daqueles cães, depressa um pouco vim
Por me lembrar que estáveis cá sem mim".

"Dá a terra Lusitana Cipiões,
Césares, Alexandres, e dá Augustos,
Mas não lhes dá contudo, aqueles dões
Cuja falta os faz duros e robustos".

"Vê que aqueles que devem à pobreza
Amor divino, e ao povo, caridade,
Amam somente mandos e riqueza,
Simulando Justiça e integridade
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Leis em favor do Rei se estabelecem
As em favor do povo, só perecem".

"Vê enfim, que ninguém ama o que deve
Senão o que somente mal deseja".

"O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza".

São passados mais de 450 anos, sobre estas afirmações e "Radiografias" sobre o carácter de alguns portugueses, e do "Estado da Nação".
Hoje, no III Milénio, a vida e costumes sociais nacionais repetem-se.
É isto também, ou não uma característica lógica da Paideia portuguesa, da Portugalidade?

E para onde é que vão os Lusitanos?

"Tomando-o pela mão, o leva e guia
Para o cume desse monte alto e divino
No qual a rica fábrica se erguia
De cristal todo e de ouro puro e fino".

"Diz-lhe a Deusa: o transunto, reduzido
Em pequeno volume, aqui te dou
Do Mundo aos olhos teus, para que vejas
POR ONDE VÁS, E IRÁS, E O QUE DESEJAS"

"Vês aqui a grande máquina do Mundo
Que é sem princípio e meta limitada
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo, e na superfície tão limada
É DEUS, mas o que é DEUS, ninguém o entende
Que a tanto engenho humano não se estende".


"Enfim que o sumo DEUS, que por segundas
Cousas ora o Mundo, tudo manda".

Depois a Deusa, mostra ao navegante Vasco da Gama, a Europa Cristã, a Benomotopa, as casas dos Negros, as alagoas do Nilo, o extremo Suez, o Monte Sinai, as Arábias, Défar, o Cabo Arabora, a Pérsia, a Costa Indiana para lhe dizer:

"Por este mar, a gente lusitana
Que com armas virá depois de ti,
Terá vitória, terras e cidades
Nas quais hão-de viver muitas idades".

E a profecia cumpriu-se, e hoje há portugueses desde o Alasca à Austrália, desde a Gronelândia ao Japão, desde o Brasil ao mais entranhado do coração africano.

E depois da descrição da vida e obra de S. Tomé na Índia, é-lhe implorado que:

"Pedimos-te que a Deus ajuda peças
Com que os teus Lusitanos favoreças,

"E vós outros, que os nomes usurpais,
Dos mandados de Deus, como Tomé,
Dizei: se sois mandados, como estais
Sem irdes a pregar a Santa Fé?
Olhai que, se sois sal, e vos danais
Na Pátria, onde profeta ninguém é,
Com que se salgarão, em nossos dias
(infiéis deixo) tantas heresias"?

"Até aqui, Portugueses, concedido
Vos é saberdes os futuros feitos
Que, pelo mar, já deixais sabido,
Virão fazer barões de fortes peitos
Agora, pois que tendes aprendido
Trabalhos que vos façam ser aceitos
Às eternas esposas e formosas,
Que coroas vos tecem gloriosas".

"Podeis vos embarcar, que tendes vento
E mar tranquilo, para a pátria amada".

E Camões, remata dizendo a D. Sebastião:

"Fazei, Senhor que nunca os admirados
Alemães, Gales, Italos e Ingleses
Passam dizer que são para mandados
Mais que para mandar, os Portugueses".

Mas o âmago, o núcleo e essência da Portugalidade, ninguém como Luís de Camões a expressou até hoje:

"E vós, ó geração do Luso, digo
Que tão pequena parte sois no mundo
Não digo inda no mundo, mas no amigo
Curral de Quem Governa o Céu rotundo"

"Vós, portugueses, poucos quanto fortes
Que o fraco poder vosso não pesais;
Vós, que, à custa de vossas várias mortes,
A Lei da vida eterna dilatais".
"Assim do céu deitadas são os sortes
Que vós, por muito poucos, que sejais
Muito façais na santa Cristandade
Que tanto, ó Cristo, exaltas a humildade".

E os Lusos, filhos da Luz, aquela Luz que dá o Ser, que faz nascer o vivente, essa mesma Luz deverá ser o terminus ou fim desses mesmo Ser, a parte derradeira onde essa Luz se acabe, depois de decorrida a sua peregrinação terrestre, fundindo-se no Amor, é-nos recordado por Camões nos Lusíadas:

"Esta é a ditosa Pátria minha amada,
A qual se o Céu me dá, que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada
Acabe-se esta Luz ali comigo".

Vale ou não vale a pena ser-se Luso?

Vale ou não vale a pena ser-se Autor, Actor e Espectador da Portugalidade, e tudo isso ao mesmo e no mesmo TEMPO?

Está Feito.

Sociedade de Geografia
Secção de Luís de Camões
18 de Abril de 2008.

 

Comunicação apresentada à Secção Luís de Camões

DaSociedade de Geografia de Lisboa18 de Abril de 2008

pelo sócioABEL DE LACERDA BOTELHO